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domingo, 4 de agosto de 2019

DEFENDENDO A LAVA JATO

Perícia em mensagens daria legitimidade ao crime dos hackers, diz procurador
Foto: CNMP/Divulgação


Doutor em direito penal e procurador do Ministério Público de São Paulo, Edilson Mougenot não vê desvios de condutas nas conversas entre autoridades obtidas pelo site The Intercept Brasil e analisadas por outros veículos, inclusive a Folha de S.Paulo.

Ele considera que a Operação Lava Jato tem sido vítima de "calúnia pública". Para o procurador, é comum a interação entre o juiz e a acusação em ações contra organizações criminosas.

Mougenot acredita que o material apreendido pela Polícia Federal com os suspeitos de hackeamento não deve ser periciado e ter sua autenticidade verificada. Nessa situação, afirma, "você confere legitimidade ao próprio crime e dá um recado à sociedade: pode-se invadir celulares".

Folha - Como o sr. avalia o conteúdo das mensagens atribuídas ao ministro Sergio Moro? 

Procurador - Eu tenho um pudor ético numa análise de algo que não conheço e não tenho em mãos. Toda análise minha seria uma projeção exterior de um sentimento de algo que eu acredite. Eu não posso acreditar em algo extremamente contestável que foi obtido por meio criminoso. Eu fui um dos que, à época, concordei abertamente com o expressivo número de advogados e de juristas que não aceitavam a permanência de provas ilícitas dentro do processo.

O que se sabe até agora, ou o que pelo menos é o que me faz acreditar, é que o conteúdo dessas mensagens possivelmente tenha sido obtido ilicitamente pelos hackers. Se houve ou não houve edição, uma perícia poderia dizer. Até agora, do que foi noticiado eu não consegui ver nada de comprometedor na conduta do ministro Sergio Moro.

Folha - Enquanto ele era juiz não houve desvio na conduta? 

Procurador - Não vi. As pessoas confundem o chamado sistema acusatório -que é o que vige entre nós preponderantemente e em que as funções são separadas de juízes, promotores e advogados- com as primeiras lições de uma faculdade de direito, imaginando que um juiz não possa, por exemplo, nas suas inquirições alterar o tom da sua voz ou que deva oferecer, como num xadrez jurídico, o mesmo número de perguntas para o réu e para a defesa.

O juiz é um ser humano, ele está sujeito às contingências dos seus filtros e das suas percepções. Nesse particular caso, há um elemento novo. A lei que trata de organizações criminosas deu muito mais amplitude e permeabilidade para a conduta do magistrado.

Não se trabalha com as organizações criminosas com o mesmo engessamento com o que você faz no chamado sistema acusatório dos procedimentos comuns. A gente observa ali que há momentos em que há interação entre Ministério Público, juiz e delegado -e pode e deve haver, para proveito público, onde o advogado que trata de direito privado não participa.

Folha - Mas houve um episódio em que o Moro sugere a inserção de uma prova numa denúncia. Isso o juiz pode fazer?

Procurador - O juiz pode, em determinadas circunstâncias, apresentar algo que chegue a ele como prova. Esta sugestão teria que ser analisada dentro do que aconteceu, é um todo. Não podemos jamais extrair uma informação dessas gravações, se existentes, e descontextualiza-las. O juiz tendo ciência de um fato criminoso não pode ser um conviva de pedra a ponto de dizer que ele não viu. Em determinadas situações ele tem mesmo a obrigação legal de tomar providências. Não pode, a pretexto do sistema acusatório, fingir que não sabe daquilo.

Se essas interações do então juiz da Lava Jato tivessem sido com as defesas, seria legal também? Veja, há casos e casos. Querem transformar juiz, advogado, promotor e delegado em pessoas estanques que não interagem. Quando um magistrado dá bom dia a um promotor ou advogado, ele encerra sua conversa no bom dia e já entra no texto legal ou no ato formal? 
Não.

Onde a lei se preocupa em firmar balizas? Que o magistrado fundamente as suas decisões para que depois a parte vencida possa recorrer e, através dessa fundamentação da sentença, as instâncias superiores possam exercer um controle intersubjetivo da decisão do magistrado.

Só aí se evidenciaria se ele foi parcial ou imparcial. Portanto, o quanto conversou ou deixou de conversar, somente algo muito violento ou escabroso não seria aceito.

Folha - Se o magistrado aconselhar algo ao advogado, está mal?

Procurador - Eu não vejo, já vi mil situações em que o magistrado pondera: "doutor, o senhor tem certeza de que isto está correto? O senhor não pensou em tal recurso?" A má-fé do magistrado se evidencia quando ele de fato atende a um interesse privado de uma das partes, menoscabando a verdade processual, e fundamenta de um jeito e decide de um outro.

A pergunta é: houve má-fé? De tudo quanto até agora li, não houve má-fé.

Folha - O principal questionamento da sociedade deve ser sobre o conteúdo das mensagens ou a forma que elas foram obtidas?

Procurador - Nós não podemos fazer um juízo de mérito quando não temos sequer a segurança do que nós vamos analisar. Essas mensagens foram obtidas criminosamente, é um crime formal. Basta que se invada o teu celular, o celular dos acionistas da Folha, o meu, para que se configure um crime independentemente do que surgir daí.

Este crime, até onde se sabe, está provado, os agentes estão confessando, vai se descobrir se há outros e a extensão dessas responsabilidades.

O que surge depois desses crimes? São hipóteses. A hipótese de que existam essas mensagens exatamente da forma que estão sendo publicadas ou que estas mensagens possam ter sido adulteradas ou ainda que estas mensagens tenham sido retiradas do contexto. Isso seria outra forma de adulteração.

Folha - Vamos supor que os hackers tenham de fato mensagens trocadas entre autoridades. Elas podem ser periciadas para verificação de sua autenticidade? 

Procurador - A princípio eu creio que não, porque seria uma reiteração de um crime já praticado, sob uma aparente fundamentação legal. Quando a Constituição protege a sua intimidade, minha, a de todos, ela protege de forma eficaz. Quando o delegado de polícia analisa o crime praticado, está analisando qual crime? Do hackeamento. É necessário analisar essas mensagens? Me parece que não, porque é um exaurimento do crime. O crime já foi praticado com a invasão seja do Telegram, seja dos celulares.

A partir daí, começar uma perícia você confere legitimidade ao próprio crime e dá um recado à sociedade: pode-se invadir celulares. Geralmente as penas são pequenas e vai permitir uma devassa na vida dos outros, até de ordem privada, porque você destrói moralmente uma pessoa com a versão que você eventualmente quiser montar.

Folha - O sr. entende, então, que as provas deveriam ser destruídas?

Procurador - Do ponto de vista nada mais do que formal, elas poderiam ser destruídas. Elas interessam a esse inquérito? Não. Por que deixaram um crime continuar fomentando o efeito que o crime produz, que é a desonra de pessoas? Porque [é um crime que] não tem nem forma de defesa. Como é que você se defende de algo que você não tem material, você não tem acesso, você não tem nada

Folha - A Lava Jato sai desgastada com esse episódio?

Procurador - Sai desgastada com as pessoas que a desgastaram, os que eram por ela acusados, os que eram simpáticos aos criminosos e aos inocentes úteis, que é aquela grande gama de apaixonados políticos que perderam o juízo crítico.

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