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sexta-feira, 12 de junho de 2020

DITADURA BOLIVARIANA

“O regime bolivariano controla a sociedade de forma violenta”


A associação Docentes Pela Liberdade (DPL) enviou ao Terça Livre na manhã desta quinta-feira (11/6) uma entrevista concedida pelo professor do Ibmec, Marcelo Suano, ao jornalista Tiago Cordeiro em março.
Confira abaixo a entrevista.

Professor do Ibmec, Marcelo Suano avalia a situação política da Venezuela, tema de seu novo livro, que explica como Hugo Chávez e seu sucessor destruíram o país

Professor universitário há 20 anos, fundador do “Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais – CEIRI” e do Núcleo de Políticas e Estratégias da Universidade de São Paulo (NAIPPE/USP), Marcelo Suano transita bem entre o mundo acadêmico e o da comunicação. Já foi articulista do Broadcast da Agência Estado e da Revista Voto Política & Negócios. Também circula com tranquilidade entre diferentes grupos políticos. E vê com muito bons olhos o nascimento do grupo Docentes pela Liberdade (DPL). “É uma iniciativa que tende a ampliar a diversidade no debate acadêmico”, afirma.
Atualmente professor do IBMEC/SP, Marcelo Suano recentemente lançou um livro, resultado de dez anos de pesquisa. Como Destruir um País: Uma Aventura Socialista na Venezuela é prefaciado pelo vice-presidente da República, Antonio Hamilton Martins Mourão.
Na entrevista, ele explica como o projeto do livro surgiu e analisa a situação política da Venezuela, marcada pela oposição entre o sucessor de Hugo Chávez, Nicolás Maduro, e o líder da oposição, Juan Guaidó. Também explica porque a situação do país é tão grave que supera até mesmo os danos da pandemia de Covid-19.
[A conversa com o professor faz parte de um esforço do movimento Docentes pela Liberdade (DPL) em trazer pensadores competentes e capazes de agregar análises relevantes para o cenário nacional. As opiniões expressas na entrevista não reproduzem, necessariamente, as posições do DPL.]

Como surgiu a ideia de escrever este livro?

Esse processo começou pouco antes de 2009. Naquela época, foi criado o portal CEIRI NEWS, dedicado a análises independentes na área de relações internacionais, com análises dos fatos contemporâneos. Desde 2009 eu me concentrava em escrever sobre a Venezuela. Eu via as falhas estruturais que existiam naquele regime. O regime chavista era destinado ao fracasso, não tinha como dar certo por culpa de sua estrutura política e de seu modelo econômico. Em 2017, ocorreu a Assembleia Constituinte no país. Um conhecido me pediu para escrever um livro sobre o tema, mas ele não publicou. Guardei como estava. Em 2019, com a proclamação do Juan Guaidó, atualizei o livro e entrei em contato com algumas editoras.

Quem é o presidente da Venezuela neste momento?

Alguns jornais afirmam que Juan Guaidó se autoproclamou presidente, o que não é correto. Ele foi empossado pela Assembleia Nacional, que não reconheceu as eleições presidenciais de 2018, consideradas fraudulentas em todos os sentidos. Tendo declarado vago o cargo do presidente Nicolás Maduro, assumiria interinamente o presidente da Assembleia Nacional, com a missão de realizar uma nova eleição. Guaidó foi eleito presidente da Assembleia Nacional porque é a principal liderança política do seu partido, o Vontade Popular – cujo presidente, Leopoldo López, estava preso e não tinha cargo. Mas Guaidó tinha um prazo de 30 dias para convocar novas eleições. Não conseguiu. Então agora temos uma situação inconstitucional na Venezuela. O Maduro não tomou posse e o Guaidó não conseguiu convocar a eleição em 30 dias, devido às contraposições e violências que sofreu do regime. A Venezuela inteira está numa situação de nebulosidade jurídica, mas a legitimidade do cargo quem tem é Juan Guaidó, por ser aquele que é reconhecido pela Assembleia Nacional, pela grande maioria do povo venezuelano e por mais de 50 países pelo mundo, dentre eles o Brasil.

Como se explica que o regime bolivariano se mantenha no controle do país?

A Venezuela está dividida, e o regime só sobrevive com base em fraudes constantes, que garantem o desvio de recursos da sociedade para alguns estratos do governo, em especial às forças armadas bolivarianas. As instituições militares, que deveriam garantir o equilíbrio da sociedade, garantem a sobrevivência do regime bolivariano porque Chávez, primeiro, e depois Maduro, garantiram recursos e benefícios. Apesar de as informações serem muito imprecisas, estima-se que as forças armadas venezuelanas tenham 3 mil generais para quase 125 mil militares, somando suas as Forças de Defesa! No Brasil, segundo dados do Ministério da Defesa, temos, na ativa, 151 oficiais generais no Exército [entre eles, general-de-exército (15), general-de-divisão (45) e general-de-brigada (91)]; 85 na Força Aérea [entre tenente-brigadeiro (08), major-brigadeiro (25) e brigadeiro (52)]; e 67 na Marinha [divididos entre almirante-de-esquadra (07), vice-almirante (20) e contra-almirante (40)], ou seja, no total, são 303 oficiais generais somando todas as Forças, e nós temos quase o triplo de militares na ativa, pouco mais de 330 mil. Por que 3 mil? Para garantir um conjunto de indivíduos que sejam dependentes do regime. Esse regime está estruturado unicamente na forma violenta como controla a sociedade.

Por que Chávez escolheu Nicolás Maduro como sucessor?

A figura do vice-presidente não é eletiva, era uma escolha pessoal do presidente. Chávez elegeu o Maduro como herdeiro político porque o estilo de dominação característico da Venezuela é a dominação carismática. E líderes carismáticos, como Chávez, se cercam de pessoas medianas, que não tenham características de liderança, precisamente para evitar a concorrência. O Maduro é uma consequência da escolha do Chávez, que por sua vez construiu seu próprio sistema, que destruiu a sociedade, a economia e as lideranças locais. O regime bolivariano não é resultado de uma falha pessoal do Maduro. Ele é um homem limitado, pessoal e intelectualmente, mas ele é produto da estrutura construída por Chávez.

Como o senhor avalia o trabalho da Assembleia Constituinte, de 2017?

A Constituinte era uma demanda de todos os setores da sociedade, que pediam que o país deixasse de ser um estado bolivariano, socialista, e se tornasse livre. Mas, o governo erigiu a assembleia com outro objetivo, o de calar a voz da Assembleia Nacional. Em 2015 o governo perdeu o controle sobre ela, e por isso precisava calá-la. Deve-se destacar que uma Constituinte era o sonho da Oposição, mas eles tiveram todos os obstáculos reais e fraudulentos impostos pelo regime, que, quando se apropriou da tese de uma nova Constituição, o fez porque viu a oposição com chances concretas de derrubá-lo institucionalmente por meio da Assembleia Nacional, e as medidas abusivas e inconstitucionais do governo já não mais tinham como se justificar. Então…, Maduro se apossa da ideia de uma Constituinte, convocando-a de forma abusiva e ilegítima (não esqueçamos que um referendo foi proposto e realizado, mesmo que proibido pelo governo, repudiando a Constituinte do Maduro, e ele não apenas fez de tudo para impedir este referendo como reagiu com violência contra ele).

Foi o senhor que convidou o general Mourão a assinar o prefácio?

Recebi ameaças, fui acusado, chamado de agente pago da CIA e fantoche porque o vice-presidente assina o prefácio. Conheci o general em 2014, quando ele era Comandante Militar do Sul. Ele me convidou para dar uma palestra sobre a missão brasileira no Haiti, para o Centro de Formação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre. Começamos a conversar sobre Venezuela, e ele deu para mim uma aula, foi um show. Ele sabe muito sobre a Venezuela. Quando escrevi o livro, o general ficou sabendo e se prontificou a fazer o Prefácio. Foi um gesto de grande gentileza. Foi um presente que ele me deu em reconhecimento, porque no momento em que ele foi atacado, em 2015 e 2017, eu fui na mídia explicar os absurdos que estavam falando contra ele. Ele reconheceu a sinceridade e a honestidade da minha parte. Temos um contato esporádico, de carinho e respeito e eu o vejo além de um cargo político, eu o tenho como um líder.

O que esperar do futuro da Venezuela?

Muitos países relevantes no cenário internacional, especialmente China e Rússia, ainda não aceitam Guaidó como presidente, ainda que ele tenha sido reconhecido pelo Estados Unidos e por países importantes da União Europeia. Guaidó depositou confiança excessivamente nas ações dos Estados Unidos e do Trump. Mas é preciso negociar com a China e a Rússia, negociar a dívida venezuelana com os chineses. Já os russos vendem armas, têm empresas atuando com petróleo, e têm interesses geopolíticos expressivos na região. Eles não podem permitir que a
Venezuela migre definitivamente para o espectro de influência dos Estados Unidos – até porque, ao perder o acesso aos hidrocarbonetos da Venezuela, e esta reserva ficando nas mãos de oponentes diretos, eles passariam a ganhar um concorrente capaz de fornecer o produto para a Europa. A Rússia apoia Maduro pensando em termos estratégicos e geopolíticos. O Putin é pragmático, ele cederia caso percebesse que suas salvaguardas seriam garantidas. A Rússia não é comunista, o Putin não é comunista. Guaidó pode negociar, alcançar apoio e, assim, concretizar seu papel, o de agir como um instrumento para a reinstitucionalização do país.

Qual sua avaliação sobre a forma como o governo Venezuelano vem lidando com a pandemia de Covid-19?

A forma como o regime de Maduro tem lidado com a Covid-19 é característica de todos os regimes autoritários: negam, escondem informações, recusam a realidade, apresentam notícias falsas. Maduro afirmou que a Venezuela era um dos poucos lugares do mundo que tinham as ferramentas corretas para o combate ao Covid-19, sem falar quais, ou as apresentando de maneira rebuscada e fictícia. Chegou a falar que o país inteiro tinha menos de 10 mortos. É o comportamento de um homem que não tem nenhuma preocupação com sua população. Percebemos um uso inadequado e incorreto das informações sobre a pandemia, que nos leva a crer que o povo está largado diante da pandemia. O governo claramente não está tomando as medidas adequadas.

A pandemia mudou, de alguma forma, o cenário político da Venezuela?

Infelizmente não. As brigas políticas e as tentativas de retomar o poder da parte da oposição estão se sobrepondo à crise de saúde. Por mais absurdo que pareça, existem algumas questões na Venezuela que são mais graves do que a pandemia. Quais são esses problemas? Tentar garantir de alguma forma o abastecimento, tentar manter o processo educativo, que está sendo feito por intermédio de professores do regime, que usam as redes de TV do Estado para passar conteúdos programáticos para a grande massa. Os absurdos que estão sendo cometidos por esses professores vão de erros absurdos a mentiras. Há professores que erram contas básicas de fração, não conseguem apontar países no mapa. Então, a pandemia não mudou o cenário do país.

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