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domingo, 18 de abril de 2021

EFEITO DO FECHA TUDO

‘Viramos zumbis empresariais. Estamos como mortos-vivos’, diz presidente de associação de bares e restaurantes

O presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, afirma que vai à Justiça para exigir reparação do poder público pelos prejuízos do setor de bares e restaurantes durante a pandemia | Foto: Danilo Viegas/Divulgação Abrasel


Em entrevista a Oeste, o comandante da Abrasel, Paulo Solmucci, pede ajuda para evitar o colapso do setor e anuncia que vai à Justiça para exigir reparação do poder público por prejuízos durante a pandemia

Com o endurecimento das medidas de restrição em todo o Brasil por causa da pandemia de covid-19, poucos setores sofreram mais que o de serviços, especialmente no segmento da alimentação. Em entrevista a Oeste, o presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, afirma que a decisão do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de tirar o Estado da fase emergencial do Plano SP, pelo menos até o momento, não melhorou “em nada” para o setor.

Solmucci diz ainda que o ministro da Economia, Paulo Guedes, com quem se reuniu em janeiro deste ano, não cumpriu a promessa de resgatar o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que vigorou de abril a dezembro do ano passado e permitia a suspensão de contratos ou a redução de jornada. “Faltou senso de urgência” ao comandante da equipe econômica, lamenta Solmucci. “Nós viramos zumbis empresariais. Estamos como mortos-vivos. Precisamos de alguma ajuda. Estamos na UTI, muito mal.”

O presidente da Abrasel promete ir à Justiça em busca de “reparação” ao setor, que, segundo ele, “pagou uma conta desproporcional e injusta” durante a crise. “Não basta agora só ajudar. Nós temos que pagar essa conta que foi desproporcionalmente imposta ao setor pelo poder público. Muito além da ajuda, também queremos reparação desse mal que nos foi feito.”

Cinco perguntas para Paulo Solmucci. Leia a entrevista.

1 – Como o senhor recebeu a decisão do governo de São Paulo de tirar o Estado da fase emergencial do PlanoSP de combate à covid-19?

A decisão de ir para a fase vermelha não melhora em nada para o setor, a não ser trazendo a expectativa de dias melhores. A única mudança que houve foi incluir o take away [sistema que permite ao cliente retirar a compra diretamente no estabelecimento], mas a gente já estava com o drive-thru, que permitia ao cliente pegar [o alimento] do lado de fora. Ou seja, isso não resolve minimamente. O que é positivo? A esperança de que dias melhores virão. O que a gente gostou muito do último movimento do governador foi que ele passou a trabalhar com o conceito de semanas [na sexta-feira 16, o governo paulista anunciou a chamada “fase de transição”, com reabertura do comércio]. Então, embora essa fase vermelha não mude nada em termos práticos, a expectativa é que a fase laranja venha na semana que vem. Estamos acompanhando de perto a vacinação, e nós vamos chegar ao final de abril praticamente com todos os adultos maiores de 60 anos e grupos de risco vacinados. Isso dá uma folga enorme ao sistema de saúde. O que a gente espera é que a avaliação continue sendo semanal, como foi feito agora. É muito importante também destacar que precisamos afastar alguns mitos sobre o setor. O setor foi fechado várias vezes e nada foi suficiente. Esse último fechamento atingiu o comércio como um todo, sempre buscando aquele tempo para ajustar o sistema de saúde. O que a gente espera é que o preconceito, principalmente em torno do bar, seja retirado. Não faz o menor sentido, a nosso ver, proibir bares. A próxima fase prevê que os bares não estarão abertos. Na nossa visão, deveriam abrir os bares também, até as 20 horas, até porque, quando a gente fecha bares e restaurantes, jogamos a juventude para festas clandestinas ou para festas dentro de casa, que são terríveis porque juntam dez, 15, 20 pessoas sem nenhum protocolo. É muito melhor você ter um lugar com quatro, seis pessoas na mesa de um bar, que vai fechar às 20 horas.

2 – Em março, o governador João Doria (PSDB) anunciou um pacote de R$ 100 milhões de crédito aos setores mais atingidos pela pandemia, além de medidas como a isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Isso foi suficiente para aliviar a crise do setor?

Em relação à questão do ICMS, ela é muito positiva. Tínhamos um aumento de alíquota de 90% em janeiro sobre os principais insumos do setor, que são as proteínas, as carnes de todo tipo. Isso é um peso a mais em um segmento que já não estava conseguindo nem repassar a inflação nesses mesmos itens. A gente comemorou muito e entendeu essa como uma decisão muito importante. Eram R$ 400 milhões em impostos adicionais que foram retirados não só de bares e restaurantes, mas do açougue, enfim, do consumidor. Já sobre os empréstimos, eles são praticamente inócuos. São Paulo abriu duas linhas de crédito para todo o setor de comércio e serviço. A anterior tinha sido de R$ 125 milhões e agora uma adicional de R$ 100 milhões. Só o Estado do Amazonas abriu uma de R$ 140 milhões. Então, proporcionalmente, São Paulo tinha que pagar pelo menos R$ 1,5 bilhão porque a economia é dez vezes maior que a do Amazonas. As medidas, ainda que na direção correta, são muito acanhadas.

3 – Pesquisa recente da Abrasel aponta que 91% dos donos de bares e restaurantes relataram dificuldades para pagar os salários de abril e 76% já haviam enfrentado problemas para honrar a folha de março. Quais medidas poderiam evitar esse colapso?

A medida teria sido o ministro Paulo Guedes cumprir sua promessa. Estivemos em 27 de janeiro com o presidente da República [Jair Bolsonaro], que nos levou ao ministro Paulo Guedes. Naquele dia ficou acertado que, em no máximo 15 dias, o governo federal reeditaria a MP do Programa de Benefício Emergencial [a chamada MP do BEm], que depois virou lei, e permite redução de jornada e suspensão de contratos. Já se passaram dois meses e meio, e ela ainda não saiu. Essa questão da folha poderia ter sido evitada se os 15 dias ou mesmo 30 dias tivessem se materializado. Faltou senso de urgência ao ministro Paulo Guedes, não entendendo a situação dramática do setor. Nós temos hoje um setor de zumbis. Além desses dados que você citou, estamos com 76% das empresas com dívidas em atraso: com aluguel, banco, impostos, fornecedores… Ou seja: se o setor não tiver uma ajuda como está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos, ajuda de verdade, a fundo perdido, não há como recuperar a solvência. Mesmo que a gente venha a reabrir as portas, nós viramos zumbis empresariais. Estamos como mortos-vivos. Precisamos de alguma ajuda. Estamos na UTI, muito mal. Precisamos de ajuda no nível do município, que é muito importante, no nível do Estado e no nível federal, além de apoio da cadeia produtiva. Em nosso entender, o setor pagou uma conta desproporcional e injusta, e a gente precisa de ajuda específica, mas também de reparação. Vamos entrar na Justiça com ações de reparação contra o poder público, Estados e municípios. Não basta agora só ajudar. Nós temos que pagar essa conta que foi desproporcionalmente imposta ao setor pelo poder público. Muito além da ajuda, também queremos reparação desse mal que nos foi feito.

4 – Qual é a importância da retomada do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda?

Era a MP n° 936, que eles chamavam de MP do BEm, que virou a Lei 14.020. Essa, como eu disse, é a principal medida que esperávamos do governo federal. Se ela tivesse saído, teríamos evitado 35 mil empresas fechadas e mais 100 mil empregos perdidos. Teríamos também evitado essa situação dramática de estarmos hoje com 91% das empresas com parte da folha em aberto. Ela precisa sair urgentemente porque a gente precisa que ela valha agora para o salário de março, abril… Estamos carregando no “gogó” esses atrasos de salário, explicando as dificuldades para os empregados. Mas eles têm questões básicas como comer, pagar luz, aluguel. Isso vai gerando um problema enorme com o empregado, e o setor vai sendo todo desestruturado não só sob o ponto de vista financeiro, mas das próprias relações que mantemos com o empregado e com fornecedores.

5 – Temos acompanhado relatos trágicos sobre suicídios de donos de bares e restaurantes. O senhor tem conhecimento dessa situação? Em sua avaliação, esse fato pode estar relacionado às dificuldades econômicas decorrentes da pandemia?

De fato, infelizmente, dentro do grupo mais próximo da Abrasel já são cinco casos. A gente, evidentemente, não cita os nomes, é uma situação muito dramática. Temos muito cuidado com isso. Nós temos um serviço de aconselhamento, 24 horas por dia, para as pessoas que estão desesperadas. Não são poucas. É muito triste um cenário como este. Nós estamos com um conjunto de empresários em profunda depressão, que não conseguem sair de casa, não conseguem lidar mais com a família. É um número muito impressionante. Imagine: você constrói sua vida em torno de um negócio, em uma relação muito próxima com o empregado, o fornecedor, o cliente… Da noite para o dia, você vê toda a sua reputação desmoronar. E você começa a ser o cara que deve para todo mundo, a pessoa que não consegue levar comida para sua casa, não consegue pagar os salários. Eu diria que acho improvável que tenhamos menos de 20% a 30% dos empresários do setor com algum distúrbio, como depressão. Dificuldade de dormir é 100%. O que eu mais ouço é que as pessoas não conseguem mais dormir. É uma situação psicológica muito fragilizada, a ponto de alguns chegarem ao desespero de tirar a própria vida.

Fábio Matos

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