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domingo, 5 de fevereiro de 2023

SOBRE A GUARDA NACIONAL

Everardo Maciel: “Guarda Nacional seria muito desastrosa para o país”


Um dos mais renomados economistas do país, o ex-secretário da Fazenda do DF e ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, afirmou que a criação da Guarda Nacional para cuidar da segurança dos prédios da Esplanada dos Ministérios — substituindo o papel da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) — pode trazer um impacto desastroso para as finanças públicas dos demais estados da federação.

Ao CB.Poder — parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília — desta sexta-feira (3), Everardo disse ao jornalista Roberto Fonseca que a proposta do governo federal pode estimular as forças de segurança dos estados a querer igualar o salário com a Guarda Nacional. 

No evento Entre os Eixos do DF, um discurso seu repercutiu bastante nas redes sociais, que era sobre o Fundo Constitucional. Caso o FCDF acabasse, Brasília quebrava. Queria que dissesse sobre a importância do fundo e sobre a sua criação.

O Distrito Federal era chamado pelo Império de município neutro, exatamente para se diferenciar das outras instituições públicas nacionais. Todo financiamento dele era por conta do caso do governo central, governo imperial. Com a Proclamação da República, município neutro foi substituído pelo Distrito Federal, que desde a proclamação, todas as despesas eram financiadas pela União. Em 1988, conferiu-se a autonomia ao Distrito Federal. E a partir daí, reduziu-se o financiamento da União, que ficou limitado para segurança pública, educação e saúde. Isso porque também o Distrito Federal assumiu a competência tributária em relação à cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do ISS e de outros tributos que antes eram cobrados pela União. Em 1988, na Constituição,decidiu-se que o financiamento da Segurança Pública, Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, seria de responsabilidade da União. A educação e saúde eram por transferência que faziam mensalmente. E isso era muito problemático, porque consistia em todos os meses o secretário da Fazenda do Distrito Federal ter que ir ao Tesouro Nacional e ao Ministério da Fazenda pedir que fizesse a transferência para o Distrito Federal. Então, foi nesse contexto que se concedeu a ideia de um Fundo Constitucional que conferisse automaticidade a essas transferências: segurança, educação e saúde. Isso veio em 1998, promulgada uma emenda constitucional que permitiu a possibilidade de criação desse Fundo Constitucional, que veio a ser criado por lei no final do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

E quanto o Fundo representa nas receitas públicas do DF?

Hoje representa 40%, em média, das receitas. Obviamente, retirar o Fundo Constitucional significaria dizer “acabar Brasília”, mas mais do que isso: acabar a República, porque Brasília é a sede da República. Quanto a existência desse Fundo Constitucional, todos os estados e municípios têm, como o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de participação dos Municípios, a parte da Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), portanto o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) da mesma forma que os municípios recebem a cota parte do ICMS e do Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores (IPVA). Portanto, todo o sistema do federalismo fiscal brasileiro está constituído em impostos de competência dos entes federativos e na partilha de renda que implica transferências da União para os estados e municípios e dos estados para os municípios. No caso do Distrito Federal, transferência estrita da União.

 O FCDF também garante uma estabilidade maior do servidor dessas áreas no referente ao recebimento de salário. Correto?

Sem dúvida nenhuma. Ainda que, em relação à educação e saúde, os recursos do Fundo Constitucional não são suficientes para o pagamento das despesas que estão nesses itens de gasto. Ou seja, ao Fundo Constitucional, na área de educação e saúde são acrescidas receitas próprias do Distrito Federal.

Em caráter fiscal, está em discussão no pacote apresentado pelo governo a criação de uma Guarda Nacional. Olhando por este lado, pode aumentar ainda mais uma distorção em referente aos Estados?

Eu não tenho a menor dúvida. Eu não sou especialista em segurança pública, portanto, não vejo os aspectos ligados a essa área, mas sim ao fiscal. É a criação de um paradigma de remuneração para todas as polícias do Brasil. Isso, portanto, tem um impacto desastroso nas finanças públicas dos entes federativos, especialmente dos estados mais pobres, que não terão como enfrentar agora um piso (salarial). Quer dizer: todos vão se espelhar no piso. Olha, se a Guarda Nacional tem uma remuneração X, é fácil imaginar que uma bandeira salarial é fazer uma isonomia com a Guarda Nacional, e isso não haverá possibilidade de estados mais pobres que possam assumir um ônus dessa natureza.

A mensagem do presidente Lula, além de outras questões, também faz menção ao teto de gastos. Queria saber sua opinião, sobre a sua importância e se existe possibilidade que seja aprimorado.

Ninguém tem a menor dúvida de que nós temos um problema fiscal crônico. Quer dizer: as despesas sempre batendo as receitas, então o déficit fiscal ficou crônico. Talvez isso explique o porquê se adotou uma medida que eu considero não muito científica do teto de gastos. Ele quer dizer o seguinte: a despesa total não pode ultrapassar determinado parâmetro. O que que você estabelece? Uma briga entre as despesas. Então, quem tiver mais força ganha. Mas, quem tem mais força não necessariamente deve ganhar. Isso deve ter um uma orientação mais racional, científica sobre o assunto. Se a despesa está crescendo, o que faz ela crescer? Então, eu tenho que identificar quais são as causas de crescimento e tratar delas, senão o problema vai ficar igual. Não vai resolver. Sobretudo no Brasil, onde você tem muitas restrições orçamentárias e vinculações como “parte da receita é vinculada a isso e outra vinculada aquilo”. Tem muito piso e pouco teto. Então, isso evidentemente é a receita do desastre. Quer dizer: isso não dá certo. Isso não funciona. Quando alguém diz “olha, nós temos que fazer investimentos social”. O que é o social? Social geralmente é ele próprio. O que eu vou cortar? Imagina uma família que cuida do orçamento de sua casa e diz que vai eu vou aumentar a despesa. Ou ele vai ter que cortar algumas despesas; ou endividar; ou buscar novas receitas. Não existe órfão nesse país. Toda despesa tem pai e tem mãe. Esse confronto tem que ser arbitrado. Tem que buscar uma solução que resolva essa essa questão. Não há possibilidade nenhuma do Brasil resolver o seu problema fiscal sem tratar da questão previdenciária.

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