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domingo, 2 de fevereiro de 2020

FUNAI

Indicação de missionário para órgão da Funai alarma entidades

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


Nomeação de missionário para chefiar órgão da Funai de proteção a índios isolados provoca reação de diversas entidades e repúdio entre servidores. Indígenas relatam passado de contato forçado e violência. Entre servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), o clima de terror se agravou desde que a presidência do órgão iniciou a movimentação para nomear um missionário à frente da coordenação dos índios isolados e de recente contato.
O nome escolhido para o cargo, Ricardo Lopes Dias, é ligado à Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização missionária fundada nos Estados Unidos, conhecida entre organizações indígenas por forçar o contato com grupos que escolheram viver em isolamento, e tentar evangelizá-los.
É um cenário horrível, escatológico. Os servidores estão adoecendo. E quem denuncia esses abusos é ameaçado pela própria Funai com processos, etc.. É um terror", disse por telefone um servidor da Funai que pediu para não ter o nome revelado.
Diversas entidades repudiaram de imediato a nomeação de Dias. Na noite da última sexta-feira, a Defensoria Geral da União (DPU) pediu que a presidência da Funai explicasse a decisão. Em novembro de 2019, o órgão já havia questionado a fundação sobre a ausência de medidas de segurança para proteger esses indígenas e o descumprimento da legislação vigente.
O novo questionamento destaca que "o risco de uma nomeação que não atenda a critérios técnicos é a morte em massa de indígenas, decorrente de doenças a partir do contato irresponsável ou dos conflitos flagrantes com missões religiosas, madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais".
Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a nomeação segue a linha adotada pela Funai desde que Marcelo Augusto Xavier da Silva, delegado da Polícia Federal indicado pela bancada ruralista, assumiu a presidência.
"A Funai segue com mais este ato atentando contra os direitos dos povos indígenas, desmontando o órgão indigenista federal e uma política de não contato com povos indígenas isolados iniciada em 1987, e que tem reconhecimento internacional", manifestou-se a Apib por meio de nota.
A União dos Povos Indígenas do Javari (Univaja) classificou a intenção da nomeação como "estúpida e irresponsável do atual presidente do órgão", que age para beneficiar "setores retrógrados, como o fundamentalismo evangélico e o agronegócio". A organização indígena reúne representantes dos povos marubo, matsés, matis, kanamary, pano, korubo e tsohom-djapá.
"A atuação missionária nas aldeias tem sido nociva tanto quanto as doenças, pois causa a desorganização étnica, social e cultural dos povos indígenas. No Javari, os missionários nos dividiram em quem era de Deus e quem era do Diabo, isso para os isolados significa a completa extinção", afirma a nota de repúdio da Univaja.
Ninguém foi encontrado na Funai para comentar o caso.
Indígenas isolados do Brasil
No continente americano, o Brasil é o país com maior número de registros de povos indígenas isolados. Segundo o livro Cercos e resistências - Povos isolados na Amazônia Brasileira, do Instituto Socioambiental, o país reconhece a existência de 114 registros: 28 seriam confirmados, 26, referências em estudo, e 60, referências em informação.
Desde a chegada dos portugueses, esses grupos escolheram viver longe das demais sociedades. Muitos, que fugiram das condições impostas por colonizadores e missionários, buscaram refúgio em locais remotos na Amazônia, onde permanecem até os dias atuais.
Em vigor desde 1987, a política de não contato respeita o direito à autodeterminação dos povos indígenas. Um órgão específico dentro da Funai foi criado para aplicar esse direcionamento, e resultou nas Frentes de Proteção Etnoambiental, bases que têm objetivo de monitorar e proteger a área habitada pelos grupos isolados.
O setor é considerado sensível, e requer experiência em comunicação com indígenas de recente contato, relações interétnicas, sobrevivência na Floresta Amazônica. "Nosso trabalho inclui expedições longas pela mata em busca de indícios de índios isolados, e também no enfrentamento de madeireiros e garimpeiros que invadem as áreas", detalhou a fonte.
Servidores ouvidos pela DW Brasil na condição de anonimato acreditam que, por trás da intenção de evangelizar os indígenas, há uma disputa fundiária por terra, minérios, madeira. "É um absurdo mexer com indígenas isolados para tirar petróleo debaixo da terra, destruir a floresta. A comunidade internacional tem que pressionar o Brasil e impedir isso", clamou o servidor.
Violência do contato
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) afirma que, caso a nomeação do missionário ligado à MNTB se concretize, genocídio e etnocídio serão cometidos.
Missionários ligados à entidade teriam histórico ruim na região. "O contato forçado foi feito através de mentiras, violência e ameaças de morte. Em outras investidas de contato para nos evangelizar, nos ofereceram presentes para atrair e nos enganar, muitas vezes esses presentes estavam contaminados com doenças, o que levou muitos de nossos parentes à morte", afirma a nota da Coiab.
Entre servidores da Funai e do Ibama que atuam no combate ao crime ambiental na Amazônia e proteção dos indígenas isolados, o aumento da violência e de ameaças de morte viraram uma constante desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência.
"Nunca foi fácil. Nos governos Lula e Dilma, os empreendimentos avançaram pela Amazônia", observa a fonte ouvida. "Mas o discurso anti-indígena do Bolsonaro teve um reflexo automático. Garimpeiros, políticos e outros passaram a intimidar os servidores que combatem crime ambiental em campo. A escalada da violência é gritante", argumenta, lembrando o assassinato de um agente da Funai no Vale do Javari em 2019.

Por  Deutsche Welle 

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