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quarta-feira, 13 de abril de 2022

OPERAÇÃO LAVA JATO

TCU investiga Janot e Dallagnol em ‘indústria’ milionária de viagens

TCU mira ex-chefe da PGR Rodrigo Janot e o ex-coordenador da Lava Jato Deltan Dallagnol. Fotos: João Américo/Secom/PGR e José Cruz/Agência Brasil


Decisão unânime abre tomada de contas especial para apurar gastos com diárias e passagens na Lava Jato


Em decisão unânime, a 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a abertura de tomada de contas especial para apurar os danos aos cofres públicos com gastos de cerca de R$ 5,35 milhões com uma verdadeira “indústria” de diárias e passagens que abarrotaram os bolsos de procuradores da República que atuaram na força tarefa da Operação Lava Jato.

A decisão manda apurar os papéis específicos do então chefe da Procuradoria Geral da República (PGR), Rodrigo Janot, e do ex-procurador da República Deltan Dallagnol, que coordenava a maior operação contra a corrupção do Brasil, no Ministério Público Federal (MPF). O TCU também deve citar os procuradores que chefiaram o MPF nos estados que sediaram forças-tarefas de investigadores do escândalo do petrolão.

A Secretaria de Comunicação do TCU esclareceu ao Diário do Poder que, “até o momento, não houve condenação de ressarcimento”. “A decisão da Segunda Câmara do TCU converteu o processo [TC 026.909/2020-0] em tomada de contas especial, que tem o objetivo de apurar os fatos, identificar os responsáveis e quantificar o dano”, disse a Secom do TCU.

O relatório aprovado na decisão, de autoria do ministro do TCU Bruno Dantas, com base na apuração do Ministério Público de Contas e de auditores federais de controle externo, uma “indústria” de passagens e diárias foi criada para favorecer o grupo de procuradores da Lava Jato, de forma “antieconômica, imoral, ímproba, lesiva aos cofres públicos”. Dos R$ 5,35 milhões em gastos com as viagens da Lava Jato, 91,5% foram decorrentes de descolamentos a partir ou para a sede da força-tarefa em Curitiba (PR).

“Fica evidente que o modelo construído atenta contra o princípio da impessoalidade, tanto por privilegiar os agentes administrativos em detrimento do interesse público, quanto por não adotar critério imparcial para a escolha desses mesmos agentes”, concluiu o ministro Bruno Dantas, relator do processo.

O ex-coordenador da Lava Jato Deltan Dallagnol reagiu à decisão do TCU, considerando “revoltante” a iniciativa dos ministros, e interpretando a tomada de contas como uma tentativa de “calar, perseguir e intimidar”. Uma eventual condenação pelo TCU pode tonar Dallagnol inelegível, e impedir sua pretensa candidatura a deputado federal pelo Paraná.  

Imoralidade

Dantas considerou no mínimo questionáveis as escolhas administrativas feitas no âmbito do MPF. “Vislumbrou-se num modelo que deveria ser aplicado a situações eventuais e excepcionais a chance de dar aparência de legalidade a uma prática antieconômica, imoral, ímproba, lesiva aos cofres públicos e, por tudo isso, manifestamente irregular”, disse o ministro.

Se antecipando aos que têm justificado os gastos milionários com o fato de que a Lava Jato conseguiu recuperar R$ 25 bilhões desviados dos cofres públicos, Bruno Dantas afasta qualquer alegação de que, não obstante as irregularidades, a Operação foi exitosa em termos de benefícios econômicos.

“Trata-se de argumento utilitarista a um só tempo desonesto tanto com a instituição quanto com o pagador de tributos, que arca com o custo da máquina administrativa. Certo é que, não obstante a força-tarefa tenha produzido resultados expressivos, optou-se, deliberadamente, por um formato antieconômico que causou danos aos cofres públicos visíveis primo ictu oculi [ao primeiro golpe de vista]”, refuta Bruno Dantas.

Relator ainda cita o conceito exposto certa vez pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, para o tal “jeitinho” brasileiro, que usa do improviso para flexibilizar ou quebrar normas para sobrepor o sentimento pessoal e as relações pessoais ao dever, em uma certa cultura da desigualdade que ainda caracteriza a vida brasileira.

Os indícios já apurados foram considerados contundentes e suficientes para caracterizar, ao menos, as seguintes irregularidades:

a) falta de fundamentação adequada para a escolha desse modelo, visto que alternativas igualmente válidas não foram devidamente consideradas;

b) violação ao princípio da economicidade, porquanto o modelo escolhido mostrou-se mais dispendioso aos cofres públicos;

c) ofensas ao princípio da impessoalidade, tanto na opção pelo modelo mais benéfico e rentável aos participantes quanto na falta de critérios técnicos que justificassem a escolha de quais procuradores integrariam a operação.

Gastos vultosos

A decisão do TCU dá razão ao Ministério Público de Contas, ao afirmar que a opção adotada pela PGR não representou o menor custo possível para a sociedade brasileira, porque fazia o contrário: “Garantia aos procuradores participantes o auferimento de vultosas somas a título de diárias, sem que tenham sido minimamente analisadas alternativas mais interessantes sob a perspectiva do Estado”.

“Não é crível que seria impossível promover medidas mais aderentes ao princípio da economicidade na escolha do modelo de força-tarefa. Não há qualquer indício de que teria sido inviável adotar regras de limitação para o pagamento de diárias e passagens, como as utilizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo; ou promover remoções temporárias, mediante pagamento de ajuda de custos; ou mesmo realizar concurso de remoção para procuradores que fossem especialistas na matéria objeto da Lava-Jato”, destaca Bruno Dantas, em seu relatório.

O ministro ainda destaca que o modelo questionado envolveu a escolha de procuradores e o pagamento reiterado e ilimitado de diárias e passagens àqueles que, porventura, não residiam em Curitiba. Segundo Dantas, tal modelo viabilizou a “indústria de pagamento de diárias e passagens a procuradores escolhidos a dedo”, o que é absolutamente incompatível com as regras que disciplinam o serviço público brasileiro.

“Denota-se que um pequeno grupo de procuradores, que de modo algum retrata a imensa maioria dos membros do Ministério Público Federal, tivesse descoberto uma possibilidade de aumentar seus ganhos privados e favorecer agentes amigos, no âmbito da atividade funcional de combate à corrupção, admitindo-se como práticas naturais o patrimonialismo, a personalização e a pessoalidade das relações administrativas. Criavam-se, então, regras particulares e se toleravam os benefícios pontuais, evidentemente não extensíveis à sociedade como um todo ou mesmo aos demais membros do Ministério Público Federal”, concluiu o ministro.

Maiores beneficiados

Veja os principais casos citados pelo TCU de ganhos vultosos de procuradores da Java Jato, com viagens:

– Diogo Castor de Mattos: Recebeu R$ 387 mil em diárias para atuar na Lava-Jato de 2014 a 2019 em Curitiba, mesmo residindo naquela capital à época dos trabalhos da força-tarefa.

– Orlando Martello Junior: Oficialmente lotado em São Paulo, mas casado com uma procuradora residente em Curitiba. O deslocamento do procurador à capital do Paraná no período de 2014 a 2021 resultou no pagamento de R$ 461 mil em diárias, além do dispêndio de R$ 90 mil em passagens.

– Carlos Fernando do Santos Lima: Atuou na Lava-Jato de 2014 a 2018 e recebeu R$ 361 mil a título de diárias, além de ter dado ensejo ao pagamento de passagens que somaram mais de R$ 88 mil;

– Antonio Carlos Welter: Recebeu R$ 506 mil em diárias e deu origem a gastos de R$ 186 mil com passagens;

– Januário Paludo: Recebeu R$ 391 mil em diárias e que deu causa ao pagamento de R$ 87 mil em passagens, entre outros.

Investigação prossegue

A decisão do TCU determina, com base no relatório de Bruno Dantas:

– Que se apure a diferença entre os custos com diárias e passagens e aqueles que teriam sido despendidos caso fosse realizada a remoção de interessados para atuar na força-tarefa da Lava-Jato;

– Que se identifique e elabore proposta de citação dos procuradores que propuseram o modelo de força-tarefa adotado na Lava-Jato, analisando especificamente o papel do Procurador Deltan Martinazzo Dallagnol, que era conhecido como coordenador da força-tarefa e era o procurador natural do caso;

– Que identifique e elabore proposta de citação do Procurador-Geral que autorizou a constituição da força-tarefa, considerando não haver restado descartada a possibilidade de ela ter sido criada com o viés de beneficiar os procuradores envolvidos;

– Que identifique e elabore proposta de citação dos Procuradores-Gerais que autorizaram os pagamentos referentes a diárias e passagens no modelo de força-tarefa escolhido;

– Que identifique e elabore proposta de citação dos Secretários-Gerais que autorizaram os pagamentos referentes a diárias e passagens no âmbito da força-tarefa no modelo escolhido;

– Que sejam promovidas as apurações, submeta a este Relator as propostas de citação;

– Que, em adição, avalie em que medida outras forças tarefas podem ter incorrido nas mesmas falhas, ficando desde já autorizadas as diligências dirigidas ao Ministério Público Federal com o intuito de buscar maiores informações necessárias para essa análise ou as demais para a instrução do feito.

Diário do Poder não conseguiu obter os posicionamentos de todos os alvos da decisão do TCU, mas mantém o espaço aberto para expor as defesas dos envolvidos.

A Secretaria de Comunicação da PGR informou à reportagem que o MPF já respondeu aos questionamentos do TCU no âmbito do processo. Mas que estará disponível para disponibilizar mais informações sobre o caso, diante de qualquer eventual novo questionamento do TCU.

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